Ahed Tamimi não é terrorista mas no cadastro dos membros da família não constam apenas ações de oposição pacífica à ocupação israelita. Há uma tia condenada por terrorismo e redes sociais cheias de incitações à violência. Mas Ahed Tamimi não é terrorista. Ahed é menor. Ahed é uma das 300 crianças atualmente atrás das grades impostas por Israel
“Na sexta-feira passada marchámos, esta sexta também vamos marchar e será sempre assim porque às sextas marchamos. É o que vamos fazer até não haver mais Tamimis”. A frase é Bassem Tamimi, pai da jovem palestiniana, Ahed Tamimi, presa por soldados israelitas no dia 19 de Dezembro por ter sido filmada a tentar dar um estalo num soldado. Bassem falou com o Expresso durante o fim de semana, que não foi só mais um fim de semana. Bassem sabia que, esta segunda-feira, dia 8 de janeiro, estava marcada a audiência da sua filha de 16 anos no tribunal militar criado para julgar os palestinianos que se opõem àquilo que consideram ser a ocupação das suas terras, de forma ilegal, por parte de Israel. Foi adiada. Ahed fica pelo menos mais uma semana presa.
“Ela está bem, ela é uma lutadora mas também é apenas uma adolescente que merece ser tratada como tal. Estamos todos com o coração nas mãos mas confiamos que a justiça será feita”, diz ainda Bassem antes de pedir que ligássemos mais tarde. Nunca mais voltou a atender.
“Ela está bem, ela é uma lutadora mas também é apenas uma adolescente que merece ser tratada como tal. Estamos todos com o coração nas mãos mas confiamos que a justiça será feita”, diz ainda Bassem antes de pedir que ligássemos mais tarde. Nunca mais voltou a atender. Pelo Facebook disse apenas que tinha decidido não falar tanto nestes dias por medo que a exposição mediática continuasse a prejudicar a sua filha, como tem sido o caso até agora. Segundo vários analistas, incluindo alguns que escreveram para o jornal israelita Haaretz, Ahed só foi presa porque o vídeo gravado pela sua família veio dar à luta dos palestinianos um rosto: e é um rosto com o qual toda a gente pode simpatizar, o de uma adolescente, sem qualquer arma na mão, a tentar bater num soldado que tem mais meio metro de altura que ela.
“A Ahed sofreu mais do que a maioria dos miúdos da idade dela, foi empurrada para a frente de batalha pela exposição mediática da sua resistência e agora tem que lidar com isso. Assumiu este papel mas a mim ela disse-me que ela só queria ser uma miúda normal, ir para a faculdade e ser advogada de Direitos Humanos”, diz ao Expresso Ben Enrenreich, jornalista, amigo da família de Ahed e autor de um livro sobre a vila de Nabi Saleh, onde Ahed Tamimi nasceu e viveu as 16 primeiras primaveras da sua vida em sobressalto.
O apelido da jovem ativista palestiniana é sinónimo da luta do seu povo contra a política de Israel em continuar a ocupar os territórios designados pela comunidade internacional como palestinianos mas a luta dos Tamimi nem sempre foi pacífica. A defesa de “soluções radicais” contra os “colonizadores sionistas” é defendida, sem pruridos, por quase todos os membros da família através da sua assídua presença nas redes socais. A tia de Ahed, Ahlam Tamimi, foi uma das organizadoras do ataque bombista à pizzaria Sbarro, em Jerusalém, em 2001, no qual 15 pessoas morreram, incluindo sete crianças e uma mulher grávida.
Bassem Tamimi tem passado os últimos dez anos dentro e fora de grades. É ele quem, desde 2009, organiza os protestos semanais que, todas as sextas-feiras, saem da vila de Nabi Saleh em direção a uma nascente de água que até 2008 tinha servido a vila mas que agora serve o colonato judaico de Halamish, construído em 1977. Em 2013, Bassem esteve preso 13 meses, depois voltou a casa por mais cinco e voltou a ser preso.
“As pessoas não entendem o que é a ocupação. Mesmo quando não há violência física direta, a ocupação é uma permanente instabilidade, inerente ao facto de se ser palestiniano. Os soldados entram nas casas a meio da noite, os miúdos vão deitar-se sabendo que podem acordar com soldados no seu quarto, a revistar os seus armários e os seus peluches, que os seus pais serão levados e que podem não voltar. Os recursos naturais são canalizados para os colonatos israelitas e as ruas que levam às escolas e aos hospitais são cortadas sem anúncio prévio”, conta Ben.
UM APELIDO COMO ALVO
No primeiro dia do ano de 2018, Ahed foi acusada por um tribunal militar de 12 crimes, entre eles violência contra um soldado israelita, obstrução à autoridade e distúrbio da ordem pública. “A possibilidade de que possamos vir a conseguir a sua libertação são muito pequenas. Ela está acusada de coisas muito graves, e nós temos provas de que ela nunca defendeu o terrorismo como arma, ela apenas disse que a decisão de Donald Trump em designar Jerusalém como capital poderia mergulhar a região num conflito muito violento”, diz ao Expresso a sua advogada, Gaby Lasky, a partir de Ramallah. Lasky é uma israelita contra a ocupação e que há décadas vem defendendo palestinianos presos em confrontos com os militares com o exército israelita.
É a única pessoa mantém contacto diário com Ahed e garante que ela está “com o moral em cima” e que acredita que será feita justiça mas que “não quer ser um símbolo nem um mártir”. “A Ahed vai fazer 17 anos e toda a sua adolescência foi moldada pela ocupação, ela nunca teve uma vida em paz, ser miúda foi-lhe roubado”, diz Lasky.
Um vídeo gravado a 14 de dezembro mostra Ahed a tentar expulsar soldados israelitas do seu quintal, tentando acertar-lhes murros e estaladas. Foi partilhado milhares de vezes e centenas de jornais internacionais quiseram contar a história da resistência pelos olhos de Ahed.
“Ela só está presa porque a pressão interna dos políticos israelitas foi enorme. Ela não foi presa no dia em que o vídeo foi gravado mas sim quatro dias depois. O caso de Ahed tornou-se tão emblemático porque está carregado de simbologia: uma adolescente, com os braços nus, contra um homem completamente coberto de armas e proteções anti-bala: a ocupação é muito isso”, diz Lasky. Os soldados, que optaram por não responder com violência à violência das adolescentes, foram criticados em Israel. Por terem demonstrado contenção foram criticados. Para muitos israelitas, os soldados fizeram mal em não reagir: “uma capitulação”, uma “cena humilhante para as forças militares israelitas” e “um sinal de fraqueza dos soldados”, foram algumas das frases que circularam nas dezenas de artigos escritos sobre este assunto.
Para o ministro da Educação de Israel, Naftali Bennett, Ahed é uma “agressora que devia passar, como todas as mulheres que agridam soldados, o resto dos dias na prisão”.
UM HISTORIAL DE REBELDIA
O mito são se criou agora. Ahed já tinha ficado famosa quando, em 2012, com apenas 11 anos, liderou um grupo de crianças locais num marcha contra soldados israelitas. Há vídeos de Ahed a tentar dar socos nos soldados, sem nunca os atingir. Em 2015, volta às páginas dos jornais quando morde a mão de um soldado israelita enquanto este trancava o braço sobre o pescoço do seu irmão.
Mas foi agora que se consolidou. As imagens de uma jovem, pequena e magra, com o rosto envolto em raiva e emoldurado por uma farta juba de caracóis loiros a tentar agredir um soldado, armado como se estivesse em pleno cenário de guerra, alto e imperturbável, fizeram nascer uma narrativa invertida de David contra Golias. O soldado não reage, vai-se apenas desviando dos golpes de Ahed que, a certo ponto, lhe acerta com um estalo. Os membros da família Tamimi que falaram com meios de comunicação social palestinianos contam que, poucas horas antes do incidente, o primo de 14 anos de Ahed tinha sido atingido com um bala de plástico muito perto da cabeça, tendo ficado em coma e que Ahed estava a protestar contra esse ato. Naquele dia o mais importante nem era a ocupação.
Quanto tentou confrontar os soldados, Ahed “pensava também nos vários membros da sua família para este conflito. Só da sua família próxima foram cinco”, conta a sua advogada.
AHED: UM EM MAIS DE TRÊS CENTENAS DE NOMES
O nome de Ahed serve para lembrar a luta dos palestinianos mas também tem tido uma outra consequência: a de chamar à atenção para os 331 menores presos por atos de rebeldia contra Israel, segundo dados da Defense for Children International. Ao todo são 6.000 palestinianos presos e o Knesset (parlamento israelita) quer impor uma espécie de pena de morte seletiva, destinada apenas a palestinianos que cometam atentados contra o estado de Israel.
A UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) critica, numa relatório de 2013, que “o abuso de crianças que entram em contacto com o sistema de detenção militar parece ser comum, sistemático e institucionalizado ao longo de todo o processo”. Estes abusos passam por não se respeitar o limite de tempo máximo para que um menor permaneça algemado, por nem sempre serem permitidos advogados durante os interrogatórios e pela forçosa assinatura de confissões que muitas vezes estão escritas em hebraico.
“Os tribunais militares são ferramentas da ocupação, não são tribunais ‘normais’ onde uma pessoa se dirige para ver justiça a ser feita. Não há um ponto de vista educacional, pedagógico num tribunal destes. Se um jovem palestiniano se envolver num confronto com um jovem israelita, um é levado para o tribunal militar, outro para o tribunal civil onde prender um menor é um último recurso; ora nos tribunais militares a prisão é o primeiro”, diz a advogada.
Um relatório das organizações não-governamentais B’Tselem (Centro Israelita para a Informação sobre Direitos Humanos nos Territórios Ocupados) e HaMoked (Centro para a Defesa do Indivíduo, numa tradução livre) publicado em outubro de 2017, mostra que muitos menores detidos de Jerusalém Oriental passam pelos mesmos atropelos legais que Ahed passou: detenções a meio da noite, horas à espera de interrogatórios que depois acontecem sem acompanhamento de nenhum membro da família ou de um advogado, acusações exageradas, confissões escritas numa língua que nem todos leem.
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