sábado, 8 de setembro de 2018

Ser humano acima da lei: as espigas arrancadas no dia de sábado


Ser humano acima da lei: as espigas arrancadas no dia de sábado

Jesus de Nazaré estava sendo vigiado rigorosamente pelas autoridades, pois como vimos anteriormente, suas práticas e interpretações das leis e costumes, estavam ameaçando os fundamentos do próprio sistema que “os cidadãos do bem” protegiam com zelo extremo. No episódio em que ele opinou sobre a tradicional prática de jejum (cf. Mc 2,18-22) o rabino Jesus realçou a radical novidade das mudanças que ele introduzia na realidade humana com duas metáforas. A primeira falava de remendo novo na roupa velha que só pioraria o rasgo, e a segunda referia ao vinho novo no casco velho o que fazia com que a gente perdesse ambos, quer dizer, o vinho e casco.

1. No episódio que nós vamos examinar hoje, trata-se de espigas arrancadas no dia de sábado (cf. Mc 2,23-28). Aconteceu o seguinte: num sábado Jesus e seus discípulos passavam por uma plantação. Os discípulos começaram abrir o caminho arrancando as espigas. Mas, os guardiões de bons costumes prontamente criticaram o que os discípulos de rabino Jesus estavam fazendo; arrancar espigas não era permitido neste dia; era uma das trinta e nove as atividades proibidas pela lei no dia de sábado.

Para rebater essa critica Jesus recorre a Sagrada Escritura e retoma a interpretação original do sentido de sábado. Contudo, na origem da observância da lei do sábado estava a preocupação de assegurar o bem-estar de todo ser humano (cf. Dt 5,12-15), quer dizer, a lei procurava evitar que se imite no Israel a escravidão do Egito. Lá no Egito os israelitas foram escravos e trabalharam o tempo todo sem nenhuma provisão para descanso ou qualquer outra providência de bem-estar! Jesus também chama atenção dos seus críticos ao que Davi, o rei ideal, fez durante sua fuga diante da ira do rei Saul: comer os pães reservados só para os sacerdotes diante de impossibilidade de obter os pães comuns para si e seus companheiros (cf. 1Sm 21,1-7). 

De tudo isso o Nazareno evidencia que o sábado foi feito para melhorar as condições da vida do ser humano e por isso mesmo ele não pode ser sacrificado para garantir a meticulosa observância da lei. Mais importante ainda, “o filho do homem” (um título usado aqui no sentido de linguagem popular que significa “a gente”) tem poder sobre o sábado. Isto significa que todos nós somos responsáveis pela interpretação e aplicação das leis em cada situação, levando em conta todos os seus elementos constitutivos, mas lembrando-se de que o bem do ser humano é o que tem prioridade.

2. O paralelo deste texto no Evangelho de Mateus (Mt 12,1-8) tem alguns detalhes modificadas: os discípulos que estavam com fome começaram a arrancar espigas e comê-las. No ponto de vista dos fariseus os discípulos de Jesus cometeriam duas infrações da lei, pois: (1) eles se apossaram do que não era seu (arrancar as espigas que não pertenciam a eles); e (2) de debulhá-las antes de comer, o que era proibido pela lei no dia de sábado!

Aqui também Jesus do que Davi e seus companheiros fizeram diante de fome durante sua fuga da ira do rei Saul. Mais ainda, o Nazareno refere à prática no Templo, no seu tempo, dos sacerdotes que realizavam suas funções com atividades proibidas pela lei do sábado, mas sem sofrer as sanções da lei por isso. Igualmente, Jesus desafia os guardiões dos bons costumes para entender o significado de: “Quero misericórdia e não sacrifício” e pediu para não condenar inocentes e necessitados. Isto, sem deixar de afirmar: “Porque o Filho do Homem é senhor do sábado”.

3. No Evangelho de Lucas o episódio é narrado em poucas palavras (cf. Lc 6,1-5). Mas, os detalhes necessários estão aí: passagem pelo campo; os discípulos arrancarem as espigas e debulhá-las antes comer; a reclamação dos fariseus e a reposta de Jesus recorrendo às escrituras para fundamentar sua atualizada interpretação da lei que visa o bem do ser humano sofrido. A responsabilidade do Filho do Homem (todo ser humano) realizar tal interpretação e aplicação da lei nas múltiplas situações que necessitam misericórdia, e discernimento para encontrar soluções.

4. O que Jesus fez gerou forte contestação, uma vez que sua interpretação da lei ameaçava as bases da ordem social que privilegiava as elites. Aqui no Brasil, vivemos um momento de contestação feroz das medidas que visavam igualitarismo que o governo legítimo, que foi substituído no ano 2016, vinha realizando. No período preparativo deste equívoco histórico criminoso e ainda no período pós-golpe, a sociedade brasileira vive um surto singular de hipocrisia. O intrigante é que uma boa parte da população ainda está em sintonia com a interpretação que Jesus fez da lei do sábado: as leis servem para promover o bem-estar de todos os cidadãos… mesmo diante do comportamento tendencioso do judiciário, legislativo, executivo e também da imprensa tradicional que favorecem só as elites, e procuram criminalizar a camada mais necessitada da população brasileira e suas lideranças, atrás de uma fachada hipócrita de combater a corrupção...

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