A morte da Irmã Lúcia
Atendendo a pedido do diário madrilenho “El Mundo”, o Fundador dos Arautos do Evangelho enviou-lhe os dois esclarecedores artigos sobre o falecimento da irmã Lúcia que reproduzimos a seguir.
A IRMÃ LÚCIA E OS ENIGMAS DE FÁTIMA
Mons. João Clá Dias, EP
Mons. João Clá Dias, EP
A recente morte de uma humilde carmelita, Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado, na serenidade da clausura na qual viveu cerca de 60 anos, fez saltar de comoção os corações em todo o orbe e trouxe de novo para as manchetes dos jornais o tema “Fátima”.
No interior do Carmelo de Coimbra, a célebre vidente era uma freira como qualquer outra. Porém, para quem passava junto aos altos muros da clausura, aquele era “o convento da Irmã Lúcia”, uma das crianças a quem Nossa Senhora apareceu em Fátima, em 1917.
Ao transpor os umbrais da morte, essa humilde religiosa foi repentinamente elevada, do apagamento voluntário em que vivia, ao pedestal da notoriedade. A declaração de luto nacional em seu país, a suspensão da campanha eleitoral, a paternal mensagem de João Paulo II, a presença de um enviado pontifício às exéquias, o Cardeal Tarcísio Bertone, junto a todo o episcopado português e numerosas autoridades civis, mostram a importância das aparições de Fátima no panorama dos acontecimentos contemporâneos.
A Irmã Lúcia viu Nossa Senhora, falou com Ela e foi durante décadas a depositária ciosa e fiel do segredo revelado pelo Papa em 2000, depois da beatificação de Francisco e Jacinta.
Porém, quantos enigmas encerra ainda o assunto “Fátima”!…
Por um singular paradoxo e apesar dos esforços feitos pelos videntes para mantê-las em segredo, as aparições ocorridas entre os meses de maio e outubro de 1917 rapidamente se tornaram um acontecimento nacional.
Foi Jacinta, a mais jovem, quem primeiro revelou o ocorrido a sua mãe. A pequena pastora não conseguia conter em si a alegria que lhe causara a belíssima visão da Rainha dos Céus, aquela linda Senhora, “mais brilhante que o sol”, e não parava de exclamar: “Ai, que senhora tão linda!” Até que em certo momento confessou à sua progenitora: “Mãe, eu vi Nossa Senhora!”
Em poucas horas toda a aldeia de Aljustrel tomou conhecimento da aparição. A notícia corria como um corisco por vales e montes. A cada mês aumentava a multidão que acorria à Cova da Iria até atingir cerca de 70.000 pessoas no dia 13 de outubro de 1917. Nossa Senhora havia prometido fazer nesse dia um portentoso milagre para que todos acreditassem na autenticidade das aparições.
E o milagre se realizou. Em pleno meio-dia, o sol “dançou” vertiginosamente durante vários minutos diante da multidão atônita, dando a impressão de precipitar-se sobre a terra, para depois voltar ao seu lugar habitual.
Ilusão coletiva do povo crédulo, diziam muitos, embora houvesse gente de todas as classes e condições sociais constatando o milagre. Mas até o testemunho dos incrédulos contribuiu para confirmar a veracidade do acontecimento.
Um conhecido jornal laico da Capital, “O Século”, noticiou o milagre com o seguinte título: “Coisas espantosas! Como o sol bailou ao meio-dia em Fátima!”
A partir desse dia, Fátima marcou a História com suas profecias e seus enigmas.
Porém, o mais importante dessas aparições não são seus mistérios e segredos, nem as profecias relativas a acontecimentos já ocorridos – como a aurora boreal que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, mencionada no segundo segredo, ou o “bispo vestido de branco” morto a tiros, de que fala o terceiro.
A essência da Mensagem de Fátima são as maternais palavras de esperança da Mãe de Deus e o meio que Ela põe a nosso alcance para solucionar a crise contemporânea: “Rezai o Rosário todos os dias, para alcançar a paz”.
A Mensagem é tão simples que quase somos tentados a exclamar: “É só isso? Nossa Senhora apareceu e ‘arrancou’ o sol de seu lugar apenas para pedir que rezemos?”
Sim, essa é a grande profecia. Porque se retomarmos em nossas mãos as contas do Terço, como tantas vezes tem pedido também o Santo Padre, a guerra se afastará do mundo, a humanidade abandonará o pecado, a paz reinará na terra, nas famílias e nas consciências, e a previsão de Nossa Senhora se realizará: “Por fim, meu Imaculado Coração triunfará”.
Todas as outras profecias de Fátima não são senão sinais da Providência de que Nossa Senhora fará cumprir a esperançosa previsão de seu triunfo maternal sobre os corações endurecidos pelo pecado.
Todas as outras profecias de Fátima não são senão sinais da Providência de que Nossa Senhora fará cumprir a esperançosa previsão de seu triunfo maternal sobre os corações endurecidos pelo pecado.
Que milagres da graça fará a Mãe de Deus para mudar o rumo dos acontecimentos e abrir os corações dos homens à Mensagem do Evangelho?
É este, certamente, um dos grandes enigmas que a revelação do Terceiro Segredo não desvendou.
Será através do Rosário? Sim, mas não só. Em Fátima Nossa Senhora anunciou que Deus queria estabelecer no mundo a devoção ao Imaculado Coração de Maria e que mais tarde Ela viria pedir a devoção dos Cinco Primeiros Sábados. Por um acaso providencial, a Irmã Lúcia ingressou no convento das Irmãs Dorotéias, em Pontevedra, onde se encontrava em 1925 quando Nossa Senhora voltou a aparecer-lhe para pedir a devoção da Comunhão reparadora dos Cinco Primeiros Sábados. Deste modo, a Espanha também ficou ligada de forma especial à Mensagem de Fátima.
Falecida a Irmã Lúcia e revelado o Terceiro Segredo, permanece ainda um último enigma por desvendar. Nossa Senhora, ao aparecer aos pastorinhos, lhes disse: “Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, No dia 13 a esta mesma hora. Depois voltarei ainda aqui uma sétima vez”.
Nunca a Irmã Lúcia confirmou essa sétima aparição, prometida por Nossa Senhora. Todos pensavam que se daria com ela em vida. Sua serena morte, tão característica das almas que dormem na paz do Senhor, deixa sem resposta a pergunta, e sem ninguém a quem pedir a solução. Apesar de seus enigmas, Fátima continua sendo ponto de referência para o qual se voltam todos os olhares quando a magnitude dos acontecimentos faz cambalear a segurança e a estabilidade do mundo moderno. Os que têm fé olham para Fátima com esperança e alegria. Os incrédulos se esforçam em negar sua autenticidade, temerosos de se verem obrigados a ceder diante da evidência. Os indiferentes encolhem os ombros sem analisar os fatos, pois a veracidade da Mensagem de Fátima os levaria a agir em conseqüência. Mas todos têm bem presente que as profecias da Santíssima Virgem se realizarão.
Nunca a Irmã Lúcia confirmou essa sétima aparição, prometida por Nossa Senhora. Todos pensavam que se daria com ela em vida. Sua serena morte, tão característica das almas que dormem na paz do Senhor, deixa sem resposta a pergunta, e sem ninguém a quem pedir a solução. Apesar de seus enigmas, Fátima continua sendo ponto de referência para o qual se voltam todos os olhares quando a magnitude dos acontecimentos faz cambalear a segurança e a estabilidade do mundo moderno. Os que têm fé olham para Fátima com esperança e alegria. Os incrédulos se esforçam em negar sua autenticidade, temerosos de se verem obrigados a ceder diante da evidência. Os indiferentes encolhem os ombros sem analisar os fatos, pois a veracidade da Mensagem de Fátima os levaria a agir em conseqüência. Mas todos têm bem presente que as profecias da Santíssima Virgem se realizarão.
Só Ela sabe qual é o momento oportuno para tocar o fundo da alma do homem contemporâneo com maternais palavras de paz e consolação, realizando assim o que profetizou aos três pastorinhos, em 1917: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”.
COMO INTERPRETAR A MORTE DA IRMÃ LÚCIA?
Mons. João Clá Dias, EP
Mons. João Clá Dias, EP
O falecimento da Irmã Lúcia parece ter colhido o mundo de surpresa. Apesar da avançada idade dessa freira carmelita, sua existência fazia parte do nosso panorama psicológico. Estávamos habituados a ouvir falar dela ao tratar do assunto Fátima; e, falando dela, era-nos impossível não nos lembrarmos de Fátima.
A Irmã Lúcia de Jesus dos Santos, que estava perto de completar 98 anos, era a última dos três pastorinhos aos quais a Santíssima Virgem apareceu em 1917.
As aparições da Virgem em Fátima
Em seis ocasiões, entre maio e outubro de 1917, a Virgem apareceu a três crianças, Lúcia, Francisco e Jacinta, num descampado perto de Fátima, em Portugal.
A primeira vez foi em 13 de maio, quando elas cuidavam dos rebanhos de ovelhas da família. Conforme escreveu a Irmã Lúcia, tratava-se de “uma Senhora toda vestida de branco, mais brilhante que o sol, espargindo luz mais clara e intensa que um copo de cristal cheio de água cristalina, atravessado pelos raios do sol mais ardente”. Seu semblante era de uma indescritível beleza, nem triste nem alegre, mas sério, talvez com uma suave expressão de ligeira censura. “Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13, a esta mesma hora. Depois vos direi quem sou e o que quero. Depois voltarei ainda aqui uma sétima vez.”
Na aparição de 13 de junho, a Virgem disse que Jacinta e Francisco morreriam em breve, e assim aconteceu. Lúcia, entretanto, deveria ficar na terra: “Jesus quer servir-Se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração”.
Na visão de 13 de julho, a Virgem revelou o famoso “segredo de Fátima”. Trataremos dele adiante.
Na aparição de 13 de junho, a Virgem disse que Jacinta e Francisco morreriam em breve, e assim aconteceu. Lúcia, entretanto, deveria ficar na terra: “Jesus quer servir-Se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração”.
Na visão de 13 de julho, a Virgem revelou o famoso “segredo de Fátima”. Trataremos dele adiante.
Pouco antes da aparição de agosto, o administrador regional seqüestrou as três crianças, ameaçando-as de usar violência se não negassem as aparições ou revelassem o segredo. Elas chegaram a passar a noite na prisão.
Em 13 de outubro de 1917, data da última aparição, 70 mil pessoas se reuniram em Fátima. A Virgem havia prometido um sinal para que todos pudessem acreditar e, com efeito, a multidão pôde testemunhar o “milagre do sol”: o astro “dançou no céu” e pareceu precipitar-se sobre a terra. Esse fenômeno foi observado num raio de até 40 quilômetros do local das aparições.
Poucos anos depois, Jacinta e Francisco morreram, como Nossa Senhora predissera. Em 1925, Lúcia entrou para a Congregação das Irmãs Dorotéias. Quando estava no noviciado, em Pontevedra, a Virgem lhe apareceu, a fim de pedir o estabelecimento da prática da devoção da Comunhão Reparadora dos Cinco Primeiros Sábados: confessar-se, comungar, rezar um terço e fazer quinze minutos de companhia a Ela meditando nos Mistérios do Rosário com o fim de desagravar o seu Imaculado Coração. Noutra aparição, Nossa Senhora pediu que o Papa, em união com todos os Bispos do mundo, consagrasse a Rússia a seu Imaculado Coração. Em 1948, Lúcia transferiu-se para o Carmelo de Coimbra.
Atendendo solicitação das autoridades da Igreja, redigiu quatro relatos das aparições, o último dos quais, de 1941, bastante minucioso.
Cabe ressaltar que as aparições de Fátima de tal modo são marcadas pelos sinais da autenticidade que receberam uma atenção particular da Igreja Católica. É sabido que as autoridades eclesiásticas sempre observam uma cuidadosa distância com relação a revelações privadas. Fátima, no entanto, constitui uma das raras exceções a essa regra, havendo sido favorecida por manifestações de todos os Papas, desde Pio XI, passando por Pio XII, João XXIII e Paulo VI.
Por certo o Pontífice mais envolvido com ela foi João Paulo II. Ele chegou a visitar três vezes o local das aparições, encontrando-se com a Irmã Lúcia, interveio pessoalmente para apressar a beatificação de Francisco e Jacinta e declarou taxativamente que “a Igreja aceitou a mensagem de Fátima” (13/5/1982).
O “Segredo de Fátima”
O famoso segredo era dividido em três partes. Na primeira foi mostrado aos pastorinhos o inferno, no qual podiam ver as almas dos condenados em forma de brasas transparentes e negras boiando num espantoso mar de fogo. Para salvar os pecadores, dizia a Virgem, “Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração”. Se a humanidade seguisse seus conselhos, muitas almas se salvariam e se obteria a paz. Do contrário, “no reinado de Pio XI” (1922-1939) viria uma segunda guerra mundial, muito pior do que a primeira. Deus iria punir o mundo por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Papa.
Na segunda parte do segredo, Nossa Senhora disse que, se seus pedidos não fossem atendidos, a Rússia espalharia seus erros pelo mundo (o comunismo), promovendo guerras e perseguições à Igreja; os bons seriam martirizados, o Santo Padre teria muito que sofrer e muitas nações seriam aniquiladas. Terminava dizendo: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará. A Rússia se converterá e o mundo terá um tempo de paz”.
A terceira parte do segredo sempre causou sensação, mesmo porque Lúcia não o havia revelado. Entretanto, enviou um relato dele ao Vaticano, num envelope lacrado, com instruções estritas de que fosse aberto em 1960.
A terceira parte do segredo sempre causou sensação, mesmo porque Lúcia não o havia revelado. Entretanto, enviou um relato dele ao Vaticano, num envelope lacrado, com instruções estritas de que fosse aberto em 1960.
Mas esse segredo só foi revelado no ano 2000, por determinação de João Paulo II. Em resumo, tratava-se de um novo convite à conversão e à penitência, acompanhado da visão de um Papa que caminha, vacilante e trêmulo, atravessando uma cidade em ruínas e juncada de cadáveres. Seguido por uma multidão de bispos, padres, religiosos e fiéis, sobe uma escabrosa colina em cujo topo está uma cruz. Ao chegarem ao alto, todos são massacrados por soldados inimigos a tiros e flechadas.
A Igreja sugeriu que isso poderia ser uma alegoria relativa ao atentado contra João Paulo II, na Praça de S. Pedro, em 1981, mas deixava livre a interpretação do complexo texto, admitindo poder referir-se a acontecimentos vindouros. De qualquer modo, o Papa atribuiu sua salvação à Santíssima Virgem, e até entregou ao Bispo de Leiria-Fátima a bala que hoje se encontra na coroa da Imagem.
Mensagem mais atual do que nunca
Não são raras as intervenções espetaculares de Deus no mundo. Basta recordar milagres retumbantes como a travessia do mar Vermelho e o maná oferecido aos hebreus no deserto. O supremo exemplo, nós o encontramos na Encarnação do próprio Verbo Divino, fato de tal magnitude que em torno dele gira a História dos homens.
Fátima parece merecer um lugar de destaque nessa galeria. Podemos dizer, sem medo de exagerar, que constitui o principal acontecimento do século XX. A mensagem ali transmitida por Maria toca de cheio nos principais problemas dos últimos cem anos, tais como as duas guerras mundiais, o avanço do comunismo, os conflitos religiosos e a avassaladora crise moral em curso; aponta-lhes as causas básicas e fornece os remédios. Se acrescentarmos a isso o fato de ter sido a própria Virgem quem serviu de embaixadora do Céu, não há como não lhe atribuir suprema importância.
Mais ainda. Desde 1917, as palavras proféticas da Mãe de Deus ganham cada vez mais uma candente atualidade. Seu apelo vale hoje mais do que há 90 anos. Os problemas por Ela denunciados se agravaram de modo paroxístico.
Ante esse preocupante quadro, como considerar o falecimento da Irmã Lúcia? Alguns pretendem ver nele um sinal de que tragédias apocalípticas estão prestes a se abater sobre a humanidade.
De nossa parte, parece-nos mais importante voltar nossa atenção para a esperançosa promessa da Virgem: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”.
Aconteça o que acontecer, não devemos temer: com toda confiança, atendamos aos pedidos feitos pela Virgem em Fátima, e tenhamos certeza de que Ela cuidará de nós como de filhos muito queridos.
Aconteça o que acontecer, não devemos temer: com toda confiança, atendamos aos pedidos feitos pela Virgem em Fátima, e tenhamos certeza de que Ela cuidará de nós como de filhos muito queridos.
(Revista Arautos do Evangelho, Março/2005, n. 39, p. 20 à 23)
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