Mais uma vez, o Real Monastério de Santa Clara, em Carrión de los Condes, organiza uma grande exposição de presépios por ocasião da grande festa do Natal. Trata-se de uma iniciativa muito meritória, que abençoo de boa vontade, pois sai ao encontro de uma necessidade especialmente gratificante: a de recordar ao mundo o feito fundamental que uniu o céu e a terra: o nascimento do Filho de Deus, encarnado por nós e para nossa salvação, como confessamos no Credo.
“QUERO LEMBRAR O MENINO QUE NASCEU EM BELÉM, OS APERTOS QUE PASSOU, COMO FOI POSTO NUM PRESÉPIO, E VER COM OS PRÓPRIOS OLHOS COMO FICOU EM CIMA DA PALHA, ENTRE O BOI E O BURRO”
Fiéis a esta tradição, as Mães Clarissas prolongam em nossos dias o entusiasmo que moveu São Francisco de Assis a representar pela primeira vez este santo acontecimento, que marca um antes e um depois na história da humanidade. Aconteceu em um dos bosques de Greccio, povoado de Úmbria (Itália), em pleno século XIII. Francisco peregrinara à Terra Santa e provavelmente essa viagem inflamou ainda mais sua devoção à Humanidade Santíssima de Cristo.
Em Roma, pediu permissão ao Papa Honório III para montar um presépio vivo, que lembrasse aos cristãos a noite do primeiro Natal. Com a ajuda de um fiel amigo, dispôs as coisas para cumprir esse desejo: “Quero lembrar o menino que nasceu em Belém, os apertos que passou, como foi posto num presépio, e ver com os próprios olhos como ficou em cima da palha, entre o boi e o burro” (Tomás de Celano, Vita prima 84).
Naquela noite de Natal de 1223 o Poverello (pobrezinho) de Assis coroou seu sonho, experimentando de maneira plástica a grandeza e novidade do mistério da encarnação e fazendo os povoados das redondezas participarem de sua alegria. Segundo Tomás de Celano, primeiro biógrafo de São Francisco, todas as pessoas do lugar se reuniram no bosque de Greccio, com tochas e círios acesos para iluminar a noite. Francisco vestia os ornamentos diaconais e cantou o Evangelho do Natal na Missa celebrada por um sacerdote comovido. Francisco pronunciou um sermão em que se referiu a Jesus como “Menino de Belém”. Estava de pé ao lado do presépio, e – de acordo com seu biógrafo –, cheio de piedade, movido por uma alegria inefável, “estalava a língua quando falava “menino de Belém” ou “Jesus”, saboreando a doçura dessas palavras” (Ibid. 86).
Bento XVI se referiu a esse evento há poucos anos, em uma audiência sobre o significado do Natal. “Celano narra que, naquela noite de Natal, foi concedida a São Francisco a graça de uma visão maravilhosa. Viu que no presépio jazia imóvel um menino pequeno, que acordou precisamente pela proximidade de São Francisco. E acrescenta: ‘Esta visão coincidia com os fatos, pois, por obra de sua graça que atuava por meio de seu santo servo Francisco, o Menino Jesus foi ressuscitado no coração de muitos que o tinham esquecido, e ficou profundamente gravado em sua memória amorosa’ (Vita prima n. 86)”. O Papa acrescentava que aquela primeira representação do Natal supôs, para a vida dos fiéis, “a descoberta de que Deus se revela nos ternos braços do Menino Jesus. Graças a São Francisco, o povo cristão pôde perceber que, no Natal, Deus chegou a ser verdadeiramente o “Emmanuel”, o Deus conosco, do qual não nos separa nenhuma barreira nem distância” (Audiência, 23/12/2009).
Também nestes nossos tempos torna-se muito necessário “ressuscitar” nos corações dos fiéis a convicção de que o Filho Eterno de Deus, impulsionado por sua misericórdia (por sua condescendência, como diziam os antigos Padres da Igreja), se fez verdadeiramente um de nós, tomou sobre si nossas fraquezas – exceto no pecado – para redimir-nos de nossas culpas. O Deus santo e eterno, que não podia morrer, se fez homem para padecer como nós a morte e assim livrar-nos da tirania do demônio e fazer-nos filhos de Deus.
GRAÇAS A SÃO FRANCISCO, O POVO CRISTÃO PÔDE PERCEBER QUE, NO NATAL, DEUS CHEGOU A SER VERDADEIRAMENTE O “EMMANUEL”
A celebração litúrgica do Nascimento de Jesus, com as numerosas manifestações de piedade popular que a acompanham, constitui um momento de grande importância para que esta verdade resplandeça diante dos olhos e o coração do povo cristão, e também diante de inumeráveis homens e mulheres que, no mundo inteiro, celebram o Natal de algum modo mesmo sem conhecer seu significado. Por isso, montar o presépio nos lares e nas cidades é uma forte manifestação de fé, capaz de despertar um mundo que tem o risco de esquecer as realidades eternas, concentrando-se nas passageiras.
Tratemos de reviver em nós o mesmo espanto e o mesmo entusiasmo de São Francisco naquela noite de Natal nas terras de Úmbria. A raiz grega dessa palavra, entusiasmo, contém uma referência à inspiração divina que suscita em quem a recebe: paixão, alegria, admiração, arrebatamento, fervor de espírito… E assim acontece de verdade, quando consideramos o significado do Menino de Belém. Suas lições de humildade, pobreza, abandono, são sempre atuais, e talvez mais em nossa época, marcada por tensões que desembocam no esquecimento de Deus e no afastamento do próximo. No Jesus Menino se manifesta o Deus-Amor: um Deus inerme, que renuncia ao uso da força, porque deseja ser acolhido livremente pelos homens.
Seu nascimento no desamparo de Belém, esquecido por todos, exceto por Maria e José, nos fala também da necessidade urgente de sair se nós mesmos para colocarmo-nos alegremente ao serviço dos outros, especialmente dos mais necessitados. “Em verdade vos digo: se não vos converterdes e vos fizerdes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus”, disse o Mestre (Mt 18, 3). Entender o mistério do Natal exige necessariamente cultivar esta atitude de filho pequeno, que põe inteiramente sua confiança em seu pai e em sua mãe, e procura assemelhar-se ao Filho Eterno de Deus, feito filho do homem.
( SÃO JOSEMARIA) ENSINAVA QUE NA SANTA MISSA E NO SACRÁRIO, NOSSO SENHOR SE ENCONTRA INERME, COMO NAQUELES MOMENTOS INICIAIS DE SUA VIDA TERRENA
Não pensemos, no entanto, que o acontecimento do Natal é algo distante no tempo, que só por ocasião destas festas se coloca em primeiro plano. São Josemaria Escrivá de Balaguer, fundador do Opus Dei, quando ainda era um jovem sacerdote, escreveu: “Humildade de Jesus: em Belém, em Nazaré, no Calvário... Porém, mais humilhação e mais aniquilamento na Hóstia Santíssima; mais que no estábulo, e que em Nazaré, e que na Cruz.” (Caminho 533). Repetia – sempre com ares de novidade – que o berço do Menino Deus é uma cátedra de todas as virtudes. Ao mesmo tempo, esse sacerdote santo ensinava que na Santa Missa e no Sacrário, Nosso Senhor se encontra inerme, como naqueles momentos iniciais de sua vida terrena. Espera nosso agradecimento, nossa companhia, nosso entusiasmo ante a realidade de um Deus escondido, que se digna permanecer conosco até o fim dos tempos, oculto sob o véu do pão e do vinho.
Peçamos a Deus Pai, sob a guarda do Espírito Santo, que nesta grande festa do Natal saibamos reconhecer a Jesus em nossos próximos – nos doentes, nos pobres, nos perseguidos por causa da justiça –, e que lhe acompanhemos nos tabernáculos onde mora realmente por amor a nós.
Visitemo-lo frequentemente no “presépio perene do Sacrário” – como chamava São Josemaria –, e façamos conhecer sua presença real a outras muitas pessoas. Deste modo, “também a nós nos poderia suceder o que Tomás de Celano, referindo-se à experiência dos pastores na Noite Santa (cfr. Lc 2,20), narra a propósito daqueles que estiveram presentes no acontecimento de Greccio: “Cada um voltou a sua casa cheio de inefável alegria” (Vita prima 86)” (Audiência, 23/12/2009).
Este é o desejo e a oração que elevo ao Céu, pedindo a Deus graça abundante para todos os cristãos, de modo especial para os que decidam honrar o nascimento do Filho de Deus montando o presépio em suas casas ou visitando com piedade essas representações em qualquer lugar do mundo.
+Javier Echevarría
Prelado do Opus Dei
Artigo de introdução a um folheto com fotografias de presépios preparado pelo Real Monastério de Santa Clara, em Carrión de los Condes (2015)